Quando pela manhã ela deitou. Quando seus olhos brilhavam como olhos de criança. Ela olhou pra cima e viu as copas de árvores altas que se entremeavam com o azul do céu sem nuvens e que se misturavam com o sol do meio-dia. Ficou com o sorriso bobo de agora. Ficou com a alma leve. E por um breve instante ficou a pensar que a vida lhe pregava uma peça. Mas não saiu dali. Entre abraços e sorrisos percebeu que antes dos planos há os momentos...momentos de agora...momentos eternos? Texto: wandréa Marcinoni
Para bebê, colo de mãe. Para mãe, riso de filho. Para cabelos, vento. Para chuva, parabrisa. Para brisa, rede. Para olhos,paraísos. Para isolados,visita.Para visita,atenção. Para teimosia,não.Para adolescente, chão. Para adulto, ser criança. Para sobreviver,trabalho. Para trabalho, pagamento. Para pobreza,justiça. Para cima,elevador.Para baixo, tobogã. Para casados,liberdade.Para solteiros, companhia. Para companhia,uma boa pessoa. Para pessoas em geral,alegria. Para coisas,nomes. Para menina,cor de rosa.Para flor, um regador. Para dor anestesia. Para prazer,suspiros. Para as mãos,apertos.Para os pés, descanso. Para o cansaço,sono.Para mertiolate,sopro.Para agonia,calma. Para a alma,céu.Para o corpo,outro. Para a boca,beijo. E comida para todos.
Um dia é uma unidade de tempo, geralmente definida como um intervalo igual a 24 horas. Entretanto pode significar mais do que contar horas, minutos ou segundos. Pode ser mais do que ver o Sol nascer e se pôr. Mais do que acordar, seguir sua rotina, desacelerar e voltar a dormir. Pode ser uma conta, pode ser matemática, pode ser lógico. Pode ser ilógico. Pode ser não ver o tempo passar. Pode ser pouco tempo. Pode ser muito tempo. Pode ser contar as horas pra chegar o outro dia. Pode ser a pressa pra sair do trabalho. Pode ser a saudade. Pode ser eu e você. Pode ser nós. Pode ser o amor que chegou. Pode ser não querer ir embora. Pode ser paz e agonia. Pode ser alegria. Pode ser respirar. Pode ser tudo. Pode ser hoje . Pode ser nós desse jeito bom. Pode ser nós do jeito que está. Texto: Wandréa Marcinoni
Todo dia a mesma coisa, barulho, tv ligada, montes de brinquedos pelo chão, cama bagunçada, alegria, sorrisos, abraços quando entro pela porta da sala, um corre prum lado, um corre pra outro, eles gritam mamãe, muitos beijinhos, carinho e chamego. A minha conversa de sempre: -Pedro, posso te contar um segredo? -Já sei mãe: Você ama eu e o Gabriel. -Eu te amo também. A gente brinca junto. A gente vive junto. A gente se entende. A gente se ama. Família de três. Só que hoje, abri a porta e a casa parou. Não teve corre corre, beijinho e abraço. E aquele tempinho que eu queria pra mim não tá mais com nada. O que eu quero é bagunça, barulho e carinho. Texto: Wandréa Marcinoni Em tempos de saudade
Quando acho que já não sei, me vejo autêntica. Seguidora fiel do caminho que eu não tracei. Ativa pacifista de causas incorretas. Fatigada pelo destino imposto por mim mesma. Sem novidades. Sem reticências. Sem coerência. Sem finitude. Apenas o vago, doloroso, insensível, incompreeensível destino. Ele que disse aonde eu ia e determinou 20 passos até porta. Em minha aceitação faltou apenas um pequeno porém, mas esse enfim é melhor esquecer. Texto: Wandréa Marcinoni Imagem: Arquivo pessoal
Preciso confessar algo sério. Confessar pra mim mesmo, quase. Sempre que eu entro no Unibanco ali da Augusta, eu tenho o pressentimento de que vou me apaixonar perdidamente.
E sempre quase acontece. Mas tudo ocorre tão rápido, que logo a paixão perde-se. Eu seria capaz de demorar uma vida inteira no olhar. Uma vida quase inteira. No último suspiro, tragava todo o resto.
Confortável seria uma palavra. Mas nada do que eu busco em dicionários ou objetos poderiam contornar as figuras e fazer sentido. Nada é como antes e as perspectivas já são outras. Algo como nunca o canto seguro. Algo como um lar faltando um pedaço. Algo como calçar o sapato que não serve mais. São os desencontros da vida. Representam a aceitação de que nunca mais você fará parte do seu sonho de criança. O castelo de areia na praia. Vem a onda e leva o castelo. Vem o vento e sopra mansinho no teu rosto. Vem o sol e queima tua pele branca. Da dor, com todas as letras que possam representá-la você já não lembra. Só que ele te avisou. Nada de sonhos. Nada de construções e manobras arquitetônicas. Nada de janelas ou portas. Só paredes cinzas. Só a fresta por onde vem a luz. Só a sensação de um dia poder ser o que não foi e que não é e que não será jamais. Nunca mais viver de convenções. Só nunca mais.
Texto: Wandréa Marcinoni Baseado em fragmentos do meu dia No quarto à meia luz Num tempo frio Em julho
Quando os seus sonhos caíram por terra(o que se deu efetivamente bem antes do mês de agosto daquele ano) ela buscou escondê-los com mimos em jarros de plantas. Colocou-os na varanda da sala na tentativa de adubá-los e vê-los crescer novamente. Tentativa frustante em um mundo inventado. Estranhava todo dia não haver colheita e se enfurnava no quarto ou em outro canto da casa para que não a vissem chorar. Tomou para si todas as dores do mundo e era difícil verbalizar suas verdades. Árdua tarefa essa de plantar ilusões. Andava e se perdia. Encontrava sempre o que não era de se achar. Corria à noite pra descansar de dia. Empilhava copos de vidro para vê-los cair ao chão. O tempo, cicatrizante natural para males de todos os tipos pareceu não funcionar. Entediada, ela via aborrecimento na face dos outros, mas tratava-se apenas dos reflexos naturais. Tarde nublada, noite sem lua, dias com frio, o avesso do avesso do avesso. A vida antes ensinada se traduzia em rebeldia do não saber lidar. Fronteiras destruídas e um livre acesso para o nada. O nada que a acompanhou por um breve/longo caminho e que hoje a deixou. Hoje não há o nada, mas há o mundo, o mundo com seus prós e contras, o mundo, o vasto mundo. Texto: Wandréa Marcinoni Em repetições e elegias Imagem: Arquivo pessoal