3 Castigos


Logo depois do nascer do sol, ouviram-se os gritos do pároco na área interna do seminário. Agruparam todas as crianças que ali habitavam, vindas das cidades mais pobres para estudar. Na noite anterior haviam mordido a cabeça do santo, arrancando um pedaço. Era, portanto, necessário achar o culpado de tamanha heresia. Diante das negativas e falta de acusação por parte das crianças, o padre, senhor da justiça atribuiu a inusitada façanha ao mais traquina dos meninos: Diquinho. Deu-lhe então um castigo: Deveria, juntamente com um amigo, encher a caixa d'água. Foram os dois a equilibrar as latas na cabeça, subindo as escadas de acesso ao ponto mais alto da edificação. Estavam as crianças a executar a tarefa, quando lembraram que a pelada na área externa ia começar, Nesse entrevero e por ser a pressa inimiga da perfeição a lata desequilibrou atingindo Manuelzinho que ensanguentado foi levado à enfermaria para o "conserto" necessário. Costuras feitas, ficou aos cuidados da velha enfermeira que tentava curar-lhe com chá de capim limão que exalava seu cheiro doce pelos grandes corredores. Diante do acontecido e prezando pela paz naquele final de manhã trancafiaram Diquinho na despensa. Tempo vai, tempo vem, o traquina do menino se viu hipnotizado por um apetitoso cacho de bananas. Comida não era algo assim tão disponível para as crianças do seminário. Veio então a tentação de comê-las. Uma a uma foram devidamente degustadas de modo que delas sobraram apenas as cascas. Ao entrar no recinto e se deparar com a cena, o pároco, como era costume à epoca, castigou-o com bolo de palmatória em ambas as mãos. Era assim que as lições eram dadas e absorvidas. De forma "tênue" e gradual. Hoje, Diquinho se chama Raimundo. Com seus mais de 70 virou um homem sério, mas parece guardar em si a infância de pouca comida, mas que o fazia sentir certas vezes como o grande herói do seu pequeno mundinho. Era daqueles capazes de derrubar um boi e tocar tambor, afinal, eram dele os pés esparrados e as maiores mãos daquela redondeza.
Texto: Wandréa Marcinoni  
Foto: Mwolosker

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