Crônicas de uma UTI


No leito do bebê mais grave havia um desenho colorido. Traços de criança e a mensagem de quem espera seu irmão chegar, como quem diz: " fica bom logo!", "vem ver seu quarto" " eu sou mais velho, posso cuidar de você". Em meio a um grande alvoroço durante a manhã por conta dos selos de qualidade não conseguia parar de olhar pros traços e pensar no quanto seria bom se aquilo tudo fosse mais rápido e os pais e o irmão pudessem tê-lo em casa,  no quarto que foi feito pra ele, no colo da mãe ainda vazio, nos sonhos construídos, no silêncio que se fez quando ele não foi, nos olhares que ainda não trocaram. Mas ele dorme. Quem dera ouvisse meus pensamentos. Quem dera fossem barulhentos o suficiente para acordá-lo. Mas eu guardo pra mim.  Do outro lado uma mãe chora, meu coração pula, meus olhos enchem de lágrimas e aí eu finjo. Eu sou ela também, mas não posso chorar. Então minha boca cheia de palavras se perde em conceitos e meu coração desacelera. Volto a mim e termino o dia. Agora dei de sonhar que tudo é sonho e que quando voltar vou ver fotos emolduradas das famílias felizes com seus filhos nos braços. 

Texto: Wandréa Marcinoni

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