A tempestade


Quando ganhei aquela viagem, depois de sempre me considerar a não escolhida para os dias de sorte, comecei a me ver de outro modo. Finalmente ela estava ali, bem na minha frente me dizendo olá. Ganhei com ela uma mala preta convencional. Não tinha cara, não tinha forma, não era minha, mas a levaria. Minha mãe me acolheu com ela. Juntas seguimos. Quis viver aquela felicidade. Olhamos paisagens, sentimos o mar, retratamos o encontro, voltamos cansadas. Era 04 de dezembro. Depois de muitas idas e vindas aportamos em casa. Peguei o telefone e liguei. Conversamos brevemente e me confundi. Naquele dia tinha algo no meu peito que pedia pra ir ao encontro dela, mas não fui. No outro dia todo aquele pensamento se confirmou. Chamei socorro, ela não me ouviu mais. Caiu desfalecida em tons pálidos e azuis. Daí foram gritos, fugas, correrias, aparelhos, alarmes, espera, angústia, choro, reza. Já à noite ele se foi. Mais gritos, mais dor. Tudo de novo. O pesadelo. Só eu sabia, mas não conseguia falar. Fiquei dias e noites morando fora de mim. Um peso nos ombros. O peso do mundo. No dia em que ela acordou, na cama ao lado alguém cantava para o pai. Ela estava sentada e sorria. Meu sorriso era maior. Já há alguns dias eu sabia que ela voltaria. Hoje um lembrança  bateu à  minha porta. Pareceu que chovia de novo. Vi em texto os dias do lado de fora em que a luz do sol não apareceu. Fiz a única coisa que fui capaz: chorei por dentro, pra ninguém ver.
Texto: Wandréa Marcinoni
Imagem: Nicoletta Ceccoli

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