Gato em teto de zinco quente



“Nas anotações estava escrito um pormenor que à primeira vista me escapara, ou seja, que o zinco, tão terno, delicado e dócil diante dos ácidos, que o corroem imediatamente, comporta-se porém de modo muito diferente quando é muito puro: então resiste obstinadamente ao ataque. Daí se podiam extrair duas conseqüências filosóficas contrastantes: o elogio da pureza, que protege contra o mal como uma couraça; o elogio da impureza, que propicia as mudanças, isto é, a vida. Descartei a primeira, desagradavelmente moralista, e me detive na consideração da segunda, que me era mais afim. Para que a roda gire, para que a vida viva, são necessárias as impurezas, e as impurezas das impurezas: mesmo com a terra, como se sabe, se se quiser que seja fértil. É preciso o dissenso, o grão de sal e de mostarda: o fascismo não os quer, os proíbe, e por isso não és fascista; quer todos iguais e não és igual. Mas tampouco a virtude imaculada não existe ou, se existe, é detestável. Pega, pois, a solução de sulfato de cobre que está na caixa de reagentes, acrescenta uma gota a teu ácido sulfúrico, e vê que a reação se inicia: o zinco desperta, recobre-se de uma película branca de pequenas bolhas de hidrogênio, aí está, o encantamento ocorreu, podes abandoná-lo a seu destino e rodar um pouco pelo laboratório para ver o que há de novo e o que fazem os outros.”
Primo Levi

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1 Comentários

  1. Primo Levi!!! Maravilhoso! A pureza não acorda a vida. Só o impuro, o mestiço, o incerto, o imprevisível produz riqueza... Gosto sempre do que diz Primo Levi!

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