Escarafunchadores


O fime Mensagem para você é uma daquelas simpáticas bobagens que os americanos fazem melhor do que ninguém. Como é escrito e dirigido pela Nora Ephron, baseado num filme de Lubitsch, tem alguma sofisticação a mais, além do simples apelo digestivo de uma comédia romântica. Lubitsch ganhou a reputação que tem até hoje( há sempre um "Festival Lubitsch" em cartaz em algum lugar de Paris) fazendo exatamente isso, bobagens engenhosas, com um toque pessoal a mais. No caso de Lubistsch, ironia sentimental européia, no caso de Ephron, cinismo sentimental nova-iorquino.
O filme de Ephron trata de um problema real, quando não está narrando mais um capítulo da busca de Meg Ryan pelo amor ideal, que acompanhamos há tanto tempo: o mal que as megalivrarias fazem ao comércio tradicional de livros. Você não imaginaria, dentro de uma daquelas enormes Barnes e Noble de Nova York, que alguém pudesse ser contra o que elas representam, a máxima deferência ao conforto e à conveniência do comprador de livros, ou do escarafunchador de livraria. Mas são justamente os escarafunchadores que reclamam. As megalivrarias acabaram com o prazer de escarafunchar, já que - a própria palavra está dizendo - escarafunchar pressupõe pilhas poeirentas, estantes inacessíveis e todas as dificuldades que tornam a descoberta do livro procurado uma vitória pessoal, emocionante como uma conquista arqueológica. Ficou tudo asséptico, e fácil, demais. Os escarafunchadores, uma minoria, são apenas a facção mais radical dos leitores que preferem livrarias numa escala mais humana, menos voltadas para promoções e últimos lançamentos e com menos cara de supermercado. E estas as megas estão matando.
Mas tem sido assim a paradoxal história da era americana: quanto mais conveniente fica a vida- pela robotização da indústria, pela racionalização do comércio e pela facilitação da comunicação instantânea- mais as pessoas se afastam delas mesmas. No fim do século, só a Meg Ryan será feliz.
Luís Fernando Verrísimo

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