Um dia antes de dormir, parei pra pensar na saudade. Saudade daquele tempo de leveza sem final. Não se tratava de exagerar a felicidade, mas do cheiro, gosto e sensações que os momentos têm. Por vezes tentava dormir, mas a saudade não deixava. Misturava na minha cabeça passado, presente e futuro num fluxo de idéias tão grande que se tornou impossível. Às vezes ao deitar deixo a janela aberta e escuto a noite. Escuto carros estacionando, escuto o morador do andar de cima que ronca sem parar, escuto o silêncio. Meu coração palpita quando escuto passos leves e um discreto bater na porta. Abro e o olhar assustado do imprevisível me aguarda. Me considero uma lutadora. Alguém que foi vítima e refém. Alguém que dá passos lentos, mas que luta em silêncio, engole a dor, chora por dentro, se amedronta. Hoje pela manhã, quando a luz acendeu, ficou escuro pra mim.
" Talvez eu siga regras e valores aos quais não abdico. Privacidade corresponde a proteger quem amamos de nosso orgulho e soberba. Escolhi viver com ela e, apesar de afastado por alguns dias, continuo vivendo com ela. Longe ou perto, não mudo em nada da minha mentalidade...
Há sempre uma ponta de melancolia em minhas andanças sozinho, uma brisa fria a sussurrar em meus ouvidos o quanto ela gostaria daquele espaço.
Eu me torno um olheiro sentimental... conheço paisagens e locais só para depois mostrar para ela. Minha função é recrutar alegria para nós - e descobrir o que provocará seu arrebatamento. Transformo a visita solitária em convite a dois: "Passei por um lugar que vai adorar, pensei na gente".
E o mais bonito é que ela faz o mesmo, sem jamais combinarmos a troca de gentilezas."
Texto: Wandréa Marcinoni
Entre aspas: Fabrício Carpinejar
Imagem: Benjamin Lacombe
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