Mães

Maria mora em uma pequena cidade do interior de Goiás. Maria descobriu que estava grávida de gêmeos. Com toda sua simplicidade, ela sabia o que queria. Pegou um carro e veio à Brasília. Na primeira consulta num centro de referência da capital do país foi informada de que o seu atendimento estaria condicionado a um relatório médico. Voltou à sua cidade e pediu um encaminhamento ao médico do município. Não conseguiu. Foi à prefeitura, queria atendimento para si e seus bebês, Não conseguiu. Há 5 dias atrás observou perda de líquido. Procurou novamente o médico. O mesmo falou: Maria, na segunda feira vá à Brasília. Maria perguntou: Doutor, tenho que esperar até segunda? não há risco? O doutor manteve a orientação: Na segunda vá à Brasília. Maria e suas dúvidas obedeceram. Mas daí que vieram as dores do parto. Maria arrumou um carro. Contrações. Vamos pro hospital. Mas o primeiro ainda sem nome, nasceu. O doutor cortou o cordão com tesoura cega. Luvas? pra quê? Maria falou: doutor, tenho outro no meu ventre. O doutor procurou outro doutor, em outro hospital, em outra cidade. Lá o outro foi puxado pela mão. Nasceu. Não chorou. Faltou-lhe forças. A enfermeira pediu: doutor, vamos pra Brasília. Não temos incubadora, não temos nada. O doutor respondeu: pela manhã. Não há pressa. Ficaram os dois pequenos, de cor nenhuma, do tom do frio, do som da solidão, a noite inteira. Pela manhã, lá pelas dez, Maria e sua mãe a suplicar, correram, bateram na porta, pediram, imploraram, mas o doutor falou: não há pressa, vamos já, já. Pegaram a ambulância. O doutor resolveu parar no caminho. Estou com fome, dizia ele. Maria falou: mas eles não correm risco? Doutor respondeu: sim, mas tenho fome. Comprou coxinha e chá quente. E vinham eles: Maria, sua mãe, doutor, bebês, chá quente, coxinha. Sacolejavam e seu coração de mãe tinha medo do tempo, do vento, do quente, do frio, do chá. Chegaram. Ela não sabe como. Ela só sabe onde. Enquanto o motorista passava o caso aos plantonistas do Hospital, o médico, calado, escutava. Se identificou e saiu. Ficamos nós, Maria, sua mãe, seus filhos e a triste sensação de que vivemos num Brasil onde só o que importa é o meu pirão primeiro.

Texto: Wandréa Marcinoni
Imagem: Stanka Kordic
Baseado em contos da carochinha

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