Artigo publicado na Folha de São Paulo de hoje:O ano começou. É tempo de resoluções. As promessas que fazemos a nós mesmos com o intuito de nos tornar pessoas melhores e mais felizes podem assumir muitas formas: iniciar aquela dieta, exercitar-se regularmente, não pegar tanto no pé do filho adolescente. Invariavelmente elas dão com os burros na água. Por quê?
O florescente ramo dos estudos da felicidade traz algumas pistas interessantes. Nós, seres humanos, somos ruins em agir com vistas a metas futuras porque, ao contrário do que acreditamos, nossa experiência de "eu" se decompõe em muitos eus que funcionam de forma diversa e têm interesses, às vezes, conflitantes.
É preciso distinguir entre o eu autobiográfico e o eu que vive as experiências. O primeiro é um ator racional, que gerencia as informações e, em geral, toma as decisões. O segundo é pura sensação. É ele que, minuto a minuto, experimenta as dores e os prazeres a que nos submetemos.
E o problema é que o eu autobiográfico age como um tirano, que nunca leva em conta os interesses do eu experiencial. Operando mais com a memória do que com o instante, não hesita, por exemplo, em aumentar a experiência dolorosa aqui e agora desde que isso lhe pareça necessário para maximizar o que imagina serão suas lembranças futuras.
O eu experiencial, embora menos poderoso na hierarquia cortical, não está desprovido de meios. Ligado às camadas mais primitivas do cérebro, mobiliza recursos como a preguiça e o desgosto, capazes de sabotar até as mais sólidas resoluções de ano novo.
Esse descompasso entre os diferentes eus está na origem de alguns dos mais importantes erros (ou acertos) que uma pessoa pode cometer, consubstanciados em decisões como as de poupar para a aposentadoria, casar-se e ter filhos. O problema aqui é que o eu futuro imaginado quase nunca corresponde ao eu futuro real. É por isso que a busca pela felicidade é mais capciosa do que parece.
Por:Helio Schwartsman
Imagem: Tuane Eggers
0 Comentários