Repaginando o meu eu


Parei de ler os jornais, não por não gostar de ler, mas precisamente porque gosto de ler. As notícias dos jornais são incompatíveis com meus hábitos gastronômicos: leio bovinamente, vagarosamente, como quem pasta... ruminando. O prazer da leitura, para mim, está não naquilo que leio mas naquilo que faço com aquilo que leio. Ler, só ler, é parar de pensar. É pensar os pensamentos de outros. E quem fica o tempo todo pensando o pensamento de outros acaba por desaprender a arte de pensar seus próprios pensamentos: outra lição de Schopenhauer. Pensar não é ter as informações. Pensar é o que se faz com as informações. É dançar com o pensamento, apoiando os pés no texto lido: é isso que me dá prazer. Suspeito que a leitura meticulosa e detalhada das informações tenha, freqüentemente, a função de tornar desnecessário o pensamento. Pensar os próprios pensamentos pode ser dolorido. Quem não sabe dançar corre sempre o perigo de escorregar e cair... Assim, ao se entupir de notícias - como o comilão grosseiro que se entope de comida - o leitor se livra do trabalho de pensar. (...) Educar é ensinar a pensar.
Rubem Alves

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