Da primavera

Eu sou a profunda incerteza, sou grande e pequena, sou intensa.

Sou Primavera inconstante e VerĂ£o ardente, como as saudades do que passa e marca, quase sem sentir.

Sou mais doce que salgada, sou dos chocolates, do sorvete napolitano e das balas sortidas, que surpreendem o paladar.

Sou a insegurança que consome meus atos.

Sou a gargalhada histérica que fere o ouvido e simultaneamente o pranto silencioso; o sofrer calado daqueles que espalham atestados de felicidade.

Sou a busca constante, sou o "mais" ambicioso, sou dos livros, sou do estudo, sou da mĂºsica, sou da vaidade.

Sou orgulhosa, sou o julgamento precoce, sou medrosa...

Sou do dia e da noite, sou das festas, sou da dança, sou da embriaguez pela alegria que me consome. Sou da praia e da piscina, sou brasileira, sou do frio e do calor, sou de lua.

Sou crĂ­tica, sou insatisfeita, sou a persuasĂ£o e a literatura. Sou a luta, a intransigĂªncia, o caminho que tracei, o nome que fiz, o que pensei e divulguei.

Sou as vitĂ³rias que obtive, sou as cidades que conheci. Sou justa e sincera atĂ© na mentira.

Sou a memĂ³ria da infĂ¢ncia, a boneca com que brinquei, a tartaruga que criei, os pĂ¡ssaros que amei, os amigos que tive e atĂ© os que inventei. Sou a educaĂ§Ă£o que obtive, sou da famĂ­lia.

Sou de amar. Sou roxo e lilĂ¡s, mas as unhas, vermelhas. Sou dos olhos cor de mel, do cabelo amarelo, bem amarelo e comprido, bem comprido.

Sou dos sonhos, da ilusĂ£o, sou do prĂ­ncipe encantado.

Sou autĂªntica, sou alĂ©m do que vocĂª pensa ou espera.

Sou a imagem que fazem de mim, como posso nĂ£o ser, basta acordar e querer mudar.

Sou o que quero. E gosto muito disso.
Texto: Karla Buarque com modificações
Imagem: Tirinha Quino

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