São Luís do Maranhão ou...Saudosismo de mim mesma




O Vinícius disse que a alma dele era um círio que ardia numa catedral em ruínas. Eu digo que a minha alma é um manacá perfumado num jardim abandonado. Lembrei-me de um texto de Guimarães Rosa sobre os jardins abandonados, em que ele se refere ao "jasmim do Imperador - de todos o mais querido". E me lembrei também de um hai-kai de Bashô: "Na velha casa que abandonei as cerejeiras florescem..."

Vez por outra, diante das casas antigas e seus jardins, eu me reencontro de novo comigo mesmo como fui, menino. Foi o que me aconteceu quando visitei, faz poucos dias, São Luís do Maranhão. São Luís: para mim, até aquele momento, nada mais que um nome vazio, uma bolinha no mapa. O nome não me fazia pensar em nada. Aí eu cheguei lá, comecei a perambular pelas ruas do seu centro antigo, e uma alegria começou a tomar conta de mim. O menino que mora em mim, aquele que brincava no sobrado do meu avô, acordou do seu sono. A poesia se virou os meus olhos. Começaram a brincar. Olhavam para as casas e não viam as casas. Viam o sobrado do meu avô. Senti-me voltando para casa. Eliot disse que "ao final de nossas longas explorações chegaremos finalmente ao lugar de onde partimos e o conheceremos então pela primeira vez." Estaria eu voltando? Retornando ao lugar de onde parti? Será que eu, adulto, sou um estranho, exilado, no mundo da modernidade e das casas novas? O sobrado do meu avô, as casas antigas de São Luís - tão distantes no espaço e no tempo! E, no entanto, habitantes de um mesmo tempo, de um mesmo mundo. As casas antigas de São Luís e o sobrado antigo do meu avô não são casas desse mundo, são casas de um mundo que não existe mais, que existe só na saudade onde moram os sonhos. Mas, como a alma é feita de saudade, esse mundo que não existe do lado de fora continua a existir do lado de dentro. E lá estava eu, menino, andando pelas ruas antigas. Dantes tristes de abandono e pobreza agora estavam lá, as casas, diante de mim, alegrinhas e coloridas, exibindo os seus encantos.

(...)

As velhas casas de São Luís me deram olhos de poeta. Quem sabe chegará um dia em que os administradores pedirão conselho aos poetas. Parece que isso aconteceu lá em São Luís do Maranhão...

Rubem Alves

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